terça-feira, setembro 27, 2011

É... Mais um texto sem rimas... Na verdade, acho que nem sei rimar... Acho que nem gosto de rimar... Me remete aos parnasianos, que eu odeio! Fato é que eu me encontro em desencontro. Do riso fez-se o pranto, do abraço o abandono, do aconchego o gélido frio da solidão, da esperança a desilusão. Faltam-me forças... Até para escrever.
Há pessoas que me consideram muito dramática. Eu sou muito mais gramática que dramática. Acontece que sou verbo transitivo.

segunda-feira, setembro 05, 2011

Mulher é bicho esquisito - parte 2

A gente tinha que dar certo...
A gente gosta de coisas diferentes, de pessoas diferentes, de programas diferentes... mas mesmo assim a gente tinha que dar certo...
Você é mais jovem que eu, menos instruído, não busca uma carreira. Você busca, por caminhos tortos, ser uma pessoa certa. É cheio de vida e de razões.
Eu sou mais velha que você, tenho uma vida formalmente mais estruturada e busco por caminhos retos ser uma pessoa certa, ter uma vida certa. Mas eu sou doida...
Você critica remédios mas fuma maconha...
Eu tomo remédios e critico maconha.
Mas mesmo assim a gente tinha que dar certo...
A gente se desequilibra de ciúmes um pelo outro, mas é só imaturidade do relacionamento.
A gente se critica, se ofende, se humilha... mas nos momentos realmente importantes a gente se apoia.
Você lê a minha mente e eu leio o seu coração...
Nós sentimos um ao outro mesmo estando em lugares diferentes.
Nós causamos recolhimento um no outro.
Nós causamos reflexão um no outro.
Nós buscamos nos fazer melhores um pelo outro e um para o outro.
Nós buscamos agradar um ao outro.
Nós nos entregamos um ao outro.
Nós transamos como loucos e com um carinho e cuidado profundos. Tudo ao mesmo tempo!
Nós temos sede um do outro!
Nós fazemos amor com o corpo e com a alma!
Do seu jeito, você cuida de mim, e do meu, eu cuido de você.
A gente se ama...
No fundo, nós buscamos um pelo outro... e nos desequilibramos quando achamos que não vamos encontrar...
Apesar dos atropelos, tropeços e enganos, a gente tinha que dar certo...




Mulher é bicho esquisito

A gente não dá mais certo. A gente não dá mais certo porque não era pra dar. 
A gente gosta de coisas diferentes, de pessoas diferentes, de programas diferentes.
Você prega o uso da razão, embora muitas vezes não o faça, mas eu sou toda emoção.
Eu fiz coisas horríveis: eu não o considerei em muitos momentos, eu senti ciúmes de forma desmoderada, agi de forma desmoderada, perdi a cabeça. Eu me irritei profundamente com você! Não apenas com o que você fez, me irritei com a pessoa que você é! Eu quis, em uma fração de segundo, transformar você. Não te transformei. Me transformei. Num monstro...
A gente não tinha que dar mais certo...
Você fez coisas horríveis: me irritou até que eu fizesse de mim um monstro, me criticou em momentos que eu só precisava de amparo, carinho e afagos, não me deixou sonhar uma vida com você (toda mulher sonha, sabia?) Usou minhas fraquezas e confidências contra mim. Gritou comigo, me humilhou, rasgou minha alma.
A gente não tinha que dar certo.
Mas eu queria que desse...

quarta-feira, maio 25, 2011

Vou tirar você do dicionário - Zélia Duncan

Eu vou tirar do dicionário
A palavra você
Vou trocar-lá em miúdos
Mudar meu vocabulário
e no seu lugar
vou colocar outro absurdo
Eu vou tirar suas impressões digitais
da minha pele
Tirar seu cheiro
dos meus lençóis
O seu rosto do meu gosto
Eu vou tirar você de letra
nem que tenha que inventar
outra gramática
Eu vou tirar você de mim
Assim que descobrir
com quantos "nãos" se faz um sim
Eu vou tirar o sentimento
do meu pensamento
sua imagem e semelhança
Vou parar o movimento
a qualquer momento
Procurar outra lembrança
Eu vou tirar, vou limar de vez sua voz
dos meus ouvidos
Eu vou tirar você e eu de nós
o dito pelo não tido
Eu vou tirar você de letra
nem que tenha que inventar
outra gramática
Eu vou tirar você de mim
Assim que descobrir
com quantos "nãos" se faz um sim
"Tudo que você disser
deve fazer bem
Nada que você comer
deve fazer mal"
"Eu quero as mulheres
que dizem sim
E quem não tem vergonha
de ser assim?

Estranhos no ninho

Um homem estranho gritava do sofá. E do quarto, da sala, da cozinha... Grande macho que era, sempre se impunha pela voz - grossa, alta, opulenta. Ela, a cada dia que passava, o considerava mais... estranho. Como podia uma pessoa que dormira ao seu lado durante quase quarenta anos ser, de repente, uma incógnita? 
A culpa era de quem? Dele, que nunca soube se mostrar? Dela, que nunca soube se mostrar?
A verdade é que aquelas duas criaturas coexistiram numa mesma casa, numa mesma cama, anos a fio, mas talvez nunca tenham coexistido dentro de si mesmos.
Aquele homem era o amor da vida dela ou seu carma? Ela não saberia nunca dizer. Agora que estava doente, então, sua condescendência por ele aumentara ainda mais. Carma ou amor? Ela nunca saberia dizer. Ela não sabia o que era carma. Menos ainda o que era amor.

Ouvidos cerrados

Ela estava ali, lavando a louça do domingo, silenciosamente. Tão silenciosamente que seria incapaz de ouvir até mesmo as vozes que vinham de dentro de si. O marido, da sala, por hora grunhia alguma coisa. Vez ou outra esbravejava contra a TV, hora em vez berrava com a esposa, que não lhe trazia o café, o bolo, o pão... enfim, que não se mostrava sua serviçal - embora lavasse a louça do almoço da família.
A cada gemido do marido, uma voz sussurrava aos seus ouvidos: "você não precisa disso, você pode traçar novos caminhos... construir uma nova vida, sua própria vida".
"Mas que vida?" - sussurrava, ainda dentro de si, uma outra voz. "Esta é a sua vida!" Mais de trinta anos de casados, três filhos criados - mas filhos estão sempre por criar... O que lhe restava fazer?
Os sussurros se transformariam em gritos sufocados, em berros, em apelos. Mas não adiantava. Seus ouvidos estavam fechados para balanço há muitos anos. Só o barulho da água escorrendo pela pia lhe era perceptível.

segunda-feira, maio 16, 2011

Pedaço de gente é gente e tanto!

Estava ali, em sua mão, com um último sopro de vida, aquela pequena criatura que, dentro de alguns meses, seria seu lindo bebê. Havia, simplesmente, escorrido de dentro de si. Muito sangue e lágrimas inundavam toda a casa.
Seu ventre se contorcia, como se dele tivessem sido arrancados brutalmente todos os órgãos.
Só o que a tomava era uma dor imensa e a certeza de que iria morrer.
Nada a confortava. O sangue que tanto escorria era sua alma materializada. Descia ininterruptamente, descontroladamente, por suas pernas seus sonhos que foram construídos ao longo dos anos.
Ela fora levada para os médicos, que cessaram o sangue. Só o sangue...
O pequeno bebê ao laboratório, que nunca compensou sua perda com uma resposta convincente.
Talvez devesse tê-lo conservado em um vidrinho, na beira da cama, dando-lhe bom-dia e boa-noite até seu anoitecer, porque sua hemorragia era eterna. Sua vida perdera a cor. Tudo agora era sépia.

Caia na real!

_ Ei, amiga... melhor ir se acostumando. Que são os príncipes se não sapos disfarçados?

Anúncio para Deus

Precisa-se com urgência de uma mulher que possa ser boa mãe, boa filha, boa irmã, boa dona de casa, boa profissional, boa esposa. Precisa-se, com certa urgência, de uma mulher que saiba saciar suas sedes e fomes, se libertar de seus medos e de vencer seus desafios. Precisa-se com certa urgência, meu Deus, de uma mulher que ocupe o meu lugar e que me deixe morrer ou viver, dignamente. Por favor, invente-a.

Dia das Mães

_ Mamãe!!!
A criança exclamava cheia de satisfação, plenitude e sede daquele carinho e colo que só ela lhe podia oferecer.
_ Mamãe!!!
O bebê exclamava e exibia para os outros aquela que ele tanto amava, aquela que o preenchia num segundo mas que, estranhamente, não lhe saciava nunca, lhe era desejo constante.
_ Mamãe!!!
Retumbava nos ouvidos dela e a impediam de ouvir quaisquer rumores que não aquela doce voz, e a impediam de ver quaisquer outras coisas que não aqueles bracinhos ofegantes em sua direção, que não aquele brilho de olhar que, de tão brilhante, ofuscava todo o resto.
_ Mamãe!!!
_ Oi...
E um colo se entregava ao outro...
Paz e euforia...
Plenitude e alegria...
Momento mágico para aqueles dois, que eram só um.

quinta-feira, maio 05, 2011

A dona do mundo

Sentia-se plena.
Dona daquela barriga que explodia em vida,
era dona do mundo!

Um coração novo

Um coração batia em seu ventre.
Bastava.
Sua vida ficara, enfim, completa.

Pesadelo é bom porque acaba

De repente ela acordou. Sonhou que havia apanhado de seu marido. Não uma ou duas vezes, mas inúmeras. Como era aquilo possível?
Ele, um homem tão doce, correto, defensor do respeito à mulher, ao amor, à vida a dois... Um marido carinhoso, companheiro...
Ela, tão dona de si, defensora da libertação das mulheres, independente, dona de sua casa, de seu carro, de sua vida... Profissional de sucesso, mais que ele até!
Não. Aquilo não era possível. Só pudera ser pesadelo!
Mas o pesadelo fora real demais.
Real demais para ela continuar com ele,
real demais para ela continuar sonhando,
real demais para ela voltar a dormir.
Então ela acordou e, finalmente, se separou dele.
E pela primeira vez ela foi realmente dona de si.
Ele? Ele não existia. Ele era outro.

Desencanto

Um dia ele me olhou.
Riu pra mim
Riu de mim
E por dias, e por meses, riu comigo.
Bailamos em risos sem fim.
Depois, só prantos.

Foi assim...

Saiu para ir ali,
comprar um maço de cigarro.
Voltou um dia depois.
Saiu de novo para comprar outro
e o retorno? Ah! Só na semana seguinte...
Roupas sobrepostas que usava,
ninguém entendia o porquê.
Andarilha de alma, corpo cigano, mente circence.
E de cigarro em cigarro
foi sumindo dias, semanas, meses...

Até que sumiu de vez!

Protocolos Familiares

Cresci numa família cheia de bons costumes, cheia de rituais. Ensinaram-me a levantar cedo e arrumar a cama, chegar da escola e tirar o uniforme, nunca faltar de aula, chegar da escola e tirar o uniforme, a tirar a mesa logo após as refeições e, se não fosse arrumar a cozinha prontamente, que , pelo menos, a deixasse ajeitada pra facilitar o serviçoo mais tarde.
Pra comer? Ensinaram-me a sentar a mesa junto de toda a família, desligar a televisão, esperar que todos se servissem para dar a primeira garfada – sim, garfada, colheres só para sopas.
Devemos ainda telefonar nos aniversários, aceitar os convites, festejar as datas comemorativas junto da família -  e apenas da família, retornar ligações, anotar bilhetes com precisão.
A família é bem primordial, é o que deve estar sempre em primeiro lugar. Por ela, devemos tudo fazer. Com ela, devemos sempre estar, sobretudo nos natais, páscoas, reveillons.
A minha família só se esqueceu de me ensinar do que eu não fazia parte. Do que não me pertencia, do que não me dizia respeito. Bastarda que era, eu era nome, não sobrenome.

quarta-feira, maio 04, 2011

Notícias que não são de jornal

Era ela. Ela ali tão somente. Ela. Simplesmente ela. Quase sem sobrenome. Desencobrira de si mesma a mais crua das verdades, a que sempre lhe doeu bem no fundo da alma. A que seu sexto sentido, percepção ou seja o que for sempre lhe jogara na cara. Ela, sozinha. Faltava-lhe um pedaço, quase uma perna ou um braço.
 Era ela, somente ela. Não havia linhagem nenhuma. Nenhum ancestral, nenhuma árvore genealógica para carregar. As pessoas com quem crescera sempre lhe disseram o contrário, sempre a inseriram num fantasioso mundo de Alice num país não tão maravilhoso assim, mas seu. Seu? No fundo, esse sempre foi seu grande questionamento. Seu mesmo?
 A vida inteira deparou-se com essa dor, mas sempre se esquivou dela. Tentara, em vão, sempre acreditar nas mentiras que sua alma sempre descortinava, mas... e agora? Agora, que estava tudo desmascarado, o que fazer?Agarrar-se àquelas doces e amargas mentiras não mais era possível. Por outro lado,apesar de suas contínuas dores disfarçadas, nunca se preparara para aquelas verdades tão duras. Era ela. Simplesmente ela. Quase sem sobrenome.