quarta-feira, maio 25, 2011

Ouvidos cerrados

Ela estava ali, lavando a louça do domingo, silenciosamente. Tão silenciosamente que seria incapaz de ouvir até mesmo as vozes que vinham de dentro de si. O marido, da sala, por hora grunhia alguma coisa. Vez ou outra esbravejava contra a TV, hora em vez berrava com a esposa, que não lhe trazia o café, o bolo, o pão... enfim, que não se mostrava sua serviçal - embora lavasse a louça do almoço da família.
A cada gemido do marido, uma voz sussurrava aos seus ouvidos: "você não precisa disso, você pode traçar novos caminhos... construir uma nova vida, sua própria vida".
"Mas que vida?" - sussurrava, ainda dentro de si, uma outra voz. "Esta é a sua vida!" Mais de trinta anos de casados, três filhos criados - mas filhos estão sempre por criar... O que lhe restava fazer?
Os sussurros se transformariam em gritos sufocados, em berros, em apelos. Mas não adiantava. Seus ouvidos estavam fechados para balanço há muitos anos. Só o barulho da água escorrendo pela pia lhe era perceptível.

Nenhum comentário:

Postar um comentário